sexta-feira, 28 de agosto de 2009

E ainda tem criança trabalhando

São 22h20m, eu estou muito cansada e tive um dia ruim. Daqueles em que a gente já chorou umas quatro vezes, não tem nem lágrimas mais. Estou esperando o ônibus para ir pra casa, quando ele chega, entro e logo me acomodo em um dos bancos. Começo a olhar a bolsa em busca de uma revista que tinha que terminar a leitura. Ouço ao fundo alguém anunciando guloseimas. Amendoim, bala de goma e chicletes. E me lembro de pensar de como sempre tem alguém vendendo coisas no ônibus, trabalhando até aquele horário. Quando o vendedor se aproxima, eu percebo sua jovialidade, ele é uma criança, deve ter no máximo 10 anos. Fiquei um pouco assustada- não que eu nunca tenha visto uma cena assim- mas eu me preparava para comprar o amendoim, e por um momento pensei em desistir. Eu não deveria incentivá-lo a continuar. Mas eu comprei mesmo assim, queria tê-lo perto para lhe fazer uma pergunta:
- Garoto, onde estão seus pais?
- Minha mãe é falecida moça.
- E o seu pai?
- Meu pai mora no norte, eu moro com a minha irmã.
Ele vira as costas, sai e continua a sua venda, sem que eu pudesse lhe perguntar qualquer outra coisa. Mas eu sei que é mentira, é notável. Uma criança, principalmente sendo ela muito simples, dificilmente usaria a palavra falecida. Isso foi ensaiado. Uma resposta padrão para as prováveis pessoas, que como eu, questionam o fato dela estar ali, e não um de seus pais.
Fiquei segurando os pacotes da minha compra, eu os olhava, e mais uma vez me questionava, e dessa vez ainda me punia. Eu não devia tê-los comprado.
Quando o garoto desce do ônibus, um pequeno burburinho se alastra, as pessoas comentam. "Os pais devem estar em casa"; "Coitado, deve entregar todo dinheiro para o pai"; e assim por diante. O rapaz do banco ao lado, que viu toda a cena, me olha, não fala nada, e me encara por mais um instante.
Vou para casa, com esse momento na minha cabeça. É estranho não? Eu estou em São Paulo, a maior capital do Brasil. Mas naquele instante eu me sinto no nordeste, onde as pessoas são consumidas pela fome, e as crianças trabalham mesmo. A Lei 8.069 de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não parece fazer o menor sentido depois do que presenciei.
É, talvez a minha sensibilidade nesse dia estivesse aflorada, afinal de contas tudo o que vi e vivi, provavelmente muitos de vocês também já viveram. Mas não podemos sempre fingir que isso é normal.

E o dia que não foi bom, terminou pior ainda.

3 comentários:

  1. Gi, parabéns por levantar a questão!

    Tenho a mesma sensação que você ao presenciar uma criança vendendo algo nos coletivos ou nos faróis pela cidade.

    Você chega a olhar para os lados para ver se a sua indiguinação é compartilhada e constata (com grande tristeza e sensação de impotência) que aquilo se torno banal para a maioria das pessoas.

    Outro dia me partiu o coração ver uma mulher acompanhada de uma criança com não mais que 3 anos, pedindo esmola no metrô. A pequena garotinha me encarou com os imensos olhos transbordando de lágrimas e por um instante me vi tentada a colaborar com algo, porém me refreei, pois sabia que seria pior.

    Volto a fazer a velha pergunta "Qual será o futuro destas crianças?"

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  2. Moça Adoreeiii! O dia "bode" pode ate ter deixado você mais irritada com a situação mas nada melhor do que mostra-la aqui, afinal, é uma criança que aquelas horas da noite, quando a maior parte dos adultos voltavam pra casa de um dia dificil, ainda estava trabalhando, ela não devia estar ali de forma alguma, devia estar em casa brincando, estudando, ou melhor, naquela hora, dormindo!
    É incrivel como as vezes deixamos esse tipo de coisa fazer parte de nosso dia como se fosse normal!
    Mandou bem Gi!!!

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  3. Nossa parabéns pelo post
    e por levantar essa questão...
    muitas vezes vi muitas crianças em minha cidade vendendo balas... as vezes fico com dó por não comprar nenhumas bala mas depois fico pensando que qnd as crianças chegam em casa o pai pega seu dinheiro para gastar em bebida aí me dá uma raiva desse pai... aff essa criança tinha que esta na escola e não nas ruas vendendo doce...

    bjãoo

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Obrigada e volte sempre