São 22h20m, eu estou muito cansada e tive um dia ruim. Daqueles em que a gente já chorou umas quatro vezes, não tem nem lágrimas mais. Estou esperando o ônibus para ir pra casa, quando ele chega, entro e logo me acomodo em um dos bancos. Começo a olhar a bolsa em busca de uma revista que tinha que terminar a leitura. Ouço ao fundo alguém anunciando guloseimas. Amendoim, bala de goma e chicletes. E me lembro de pensar de como sempre tem alguém vendendo coisas no ônibus, trabalhando até aquele horário. Quando o vendedor se aproxima, eu percebo sua jovialidade, ele é uma criança, deve ter no máximo 10 anos. Fiquei um pouco assustada- não que eu nunca tenha visto uma cena assim- mas eu me preparava para comprar o amendoim, e por um momento pensei em desistir. Eu não deveria incentivá-lo a continuar. Mas eu comprei mesmo assim, queria tê-lo perto para lhe fazer uma pergunta:
- Garoto, onde estão seus pais?
- Minha mãe é falecida moça.
- E o seu pai?
- Meu pai mora no norte, eu moro com a minha irmã.
Ele vira as costas, sai e continua a sua venda, sem que eu pudesse lhe perguntar qualquer outra coisa. Mas eu sei que é mentira, é notável. Uma criança, principalmente sendo ela muito simples, dificilmente usaria a palavra falecida. Isso foi ensaiado. Uma resposta padrão para as prováveis pessoas, que como eu, questionam o fato dela estar ali, e não um de seus pais.
Fiquei segurando os pacotes da minha compra, eu os olhava, e mais uma vez me questionava, e dessa vez ainda me punia. Eu não devia tê-los comprado.
Quando o garoto desce do ônibus, um pequeno burburinho se alastra, as pessoas comentam. "Os pais devem estar em casa"; "Coitado, deve entregar todo dinheiro para o pai"; e assim por diante. O rapaz do banco ao lado, que viu toda a cena, me olha, não fala nada, e me encara por mais um instante.
Vou para casa, com esse momento na minha cabeça. É estranho não? Eu estou em São Paulo, a maior capital do Brasil. Mas naquele instante eu me sinto no nordeste, onde as pessoas são consumidas pela fome, e as crianças trabalham mesmo. A Lei 8.069 de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não parece fazer o menor sentido depois do que presenciei.
É, talvez a minha sensibilidade nesse dia estivesse aflorada, afinal de contas tudo o que vi e vivi, provavelmente muitos de vocês também já viveram. Mas não podemos sempre fingir que isso é normal.
E o dia que não foi bom, terminou pior ainda.
- Garoto, onde estão seus pais?
- Minha mãe é falecida moça.
- E o seu pai?
- Meu pai mora no norte, eu moro com a minha irmã.
Ele vira as costas, sai e continua a sua venda, sem que eu pudesse lhe perguntar qualquer outra coisa. Mas eu sei que é mentira, é notável. Uma criança, principalmente sendo ela muito simples, dificilmente usaria a palavra falecida. Isso foi ensaiado. Uma resposta padrão para as prováveis pessoas, que como eu, questionam o fato dela estar ali, e não um de seus pais.
Fiquei segurando os pacotes da minha compra, eu os olhava, e mais uma vez me questionava, e dessa vez ainda me punia. Eu não devia tê-los comprado.
Quando o garoto desce do ônibus, um pequeno burburinho se alastra, as pessoas comentam. "Os pais devem estar em casa"; "Coitado, deve entregar todo dinheiro para o pai"; e assim por diante. O rapaz do banco ao lado, que viu toda a cena, me olha, não fala nada, e me encara por mais um instante.
Vou para casa, com esse momento na minha cabeça. É estranho não? Eu estou em São Paulo, a maior capital do Brasil. Mas naquele instante eu me sinto no nordeste, onde as pessoas são consumidas pela fome, e as crianças trabalham mesmo. A Lei 8.069 de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não parece fazer o menor sentido depois do que presenciei.
É, talvez a minha sensibilidade nesse dia estivesse aflorada, afinal de contas tudo o que vi e vivi, provavelmente muitos de vocês também já viveram. Mas não podemos sempre fingir que isso é normal.
E o dia que não foi bom, terminou pior ainda.